Assumindo como tema o título de um poema do poeta amazonense Thiago de Mello, Faz escuro mas eu canto, a 34ª Bienal de São Paulo busca, na definição de sua equipe curatorial (Jacopo Crivelli Visconti, Paulo Miyada, Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez), reconhecer “a urgência dos problemas que desafiam a vida no mundo atual” enquanto reivindica “a necessidade da arte como um campo de resistência, ruptura e transformação”. Esse diálogo encontra ampla ressonância na linha editorial da editora Cobogó, que tem 12 artistas da exposição deste ano em seu catálogo.
Jota Mombaça participa com A gente não combinamos morrer (2018- ), performance que encena “um ritual voltado à elaboração das mortes produzidas pela continuidade do genocídio e da necropolítica no Brasil”. A partir de facas rudimentares feitas com galhos e cacos de vidro, ela expõe a violência e à qual estão submetidos os corpos que fogem à norma. “Quando você é assombrada pela presença da morte, está simultaneamente testemunhando a presença e a vibração dos fantasmas do perpetrador e da vítima”, afirmou em entrevista ao curador Hans Ulrich Obrist no livro Entrevistas brasileiras Vol. 2, lançado em 2021 pela Cobogó.
Desde o título, referência ao conto homônimo da escritora Conceição Evaristo, há um diálogo intrínseco com o livro Não vão nos matar agora, também publicado este ano pela Cobogó, que reúne uma série de textos nos quais afirma a resistência de corpos (e corpas) em meio às adversidades de um ambiente dominado por padrões opressivos.
Outro destaque da Bienal deste ano que chegou recentemente ao nosso catálogo, em livro com um panorama de sua trajetória, é Arjan Martins. Em constante diálogo com a tradição moderna da pintura ocidental, o artista vem retratando em sua obra a negritude enquanto presença, memória e imaginação em obras como Atlântico (2016) e Rio setecentista (2013).
“Se nós olharmos para o Atlântico, vamos encontrar ali um vasto tema para tentar entender nossa própria história. Foram tantas as práticas perversas do projeto colonial que, quando eu olho o Atlântico, só tenho a prospectar questões, problemas e discussões”, disse o artista à Folha de S. Paulo. Arjan também participa do livro Espaços de trabalho de artistas latino-americanos, com imagens realizadas pelo fotógrafo Fran Parente e entrevistas da jornalista e crítica de arte Beta Germano.
Como diversos títulos editados pela Cobogó, a dramaturga, atriz, diretora e curadora Grace Passô, para quem “teatro é uma espécie de ‘aquilombamento’”, leva à Bienal uma releitura sonora da de Pra dar um fim no juízo de Deus (Pour en finir avec le jugement de Dieu), do francês Antonin Artaud (1896-1948). Esse “texto antigo que sempre teve o futuro em si” ressurge mergulhado em uma noção de não-lugar de experiências diaspóricas sob o título de Ficções sônicas, em colaboração com o músico Barulhista.
Os livros de Grace publicados pela editora são as peças Amores surdos, Por Elise, Marcha para Zenturo, Congresso Internacional do Medo, Mata teu Pai e Preto (com Marcio Abreu e Nadja Naira), além da tradução de Punhos, de Pauline Peyrade.
Com trabalhos reunidos em livros do catálogo da Cobogó, Carmela Gross e Paulo Narazeth também integram a exposição coletiva da Bienal. Reapresentando obras expostas em 1969, Carmela Gross exibe também a inédita Boca do inferno, uma composição de 150 monotipias que surge como um "exercício cotidiano de fazer e refazer massas escuras, borrões explosivos, buracos lamacentos, fogo negro, nuvens de fuligem...".
Já Paulo Nazareth comparece com La fleur de la peau, de 2019, performance que, em torno de um saco de farinha, critica a cultura ocidental branca enquanto evoca ancestralidades africanas e islâmicas apagadas por narrativas eurocêntricas.
Outros grandes artistas que foram colaboradores de nossas obras também estão presentes: Alfredo Jaar (Espaços de trabalho de artistas latino-americanos), Antônio Dias (Desdobramentos da pintura brasileira do séc. XXI, com organização de Isabel Diegues e Frederico Coelho, e Arte brasileira para crianças, de Isabel Diegues, Márcia Fortes, Mini Kerti e Priscila Lopes), Eleonora Fabião (Sinfonia sonho, de Diogo Libreano), Lygia Pape (Entrevistas Vol. 4, Entrevistas brasileiras Vol 1., ambos de Hans Ulrich Obrist, e Arte brasileira para crianças), Mauro Restiffe (Fotografia na arte brasileira séc. XXI, organizado por Isabel Diegues e Eduardo Ortega, Arte brasileira para crianças e Diário de uma digressão, de Isabel Diegues), Regina Silveira (Arte brasileira para crianças) e Ximena Garrido-Lecca (Espaços de trabalho de artistas latino-americanos).
A Bienal de São Paulo acontece de 4 de setembro de 2021 a 5 de dezembro de 2021, no Pavilhão da Bienal, localizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.