Um livro, duas estreias. Há 13 anos, em outubro de 2008, Saga lusa: O relato de uma viagem marcava tanto a chegada da editora Cobogó ao mercado editorial brasileiro quanto a entrada de Adriana Calcanhoto – então já consolidada como uma das grandes cantoras e compositoras de sua geração, com dez discos lançados – no mundo da literatura.
A obra narra as consequências de um “surto psicótico” alavancado por um desastroso coquetel de medicamentos para gripe que, somado a estresse e exaustão, teve início num voo insone entre o Rio de Janeiro e Lisboa, obrigando Adriana a cancelar shows e outros compromissos de sua turnê por Portugal.
"Escrever foi a única coisa que restou. Porque, quanto mais eu pensasse no futuro – quanto tempo vai ser, se vai passar –, com a pressão de cancelar entrevistas e shows, a escrita era o que me mantinha no presente, era o que eu intuí que seria a coisa mais sábia a fazer, para não ficar pensando naquilo", contou a autora ao jornal Extra. “Saí uma outra pessoa dessa experiência. Isso ficou muito claro para mim. A Adriana voltando de avião de Portugal já era outra.”
A crise, no entanto, em vez de ser registrada de forma densa e dramática, foi encarada por ela de forma leve e bem-humorada. Para Ademir Correia, em resenha publicada na revista Rolling Stone, “a compositora envolve o leitor em suas aventuras pelo mundo da insônia, dos sonhos e do (auto)humor. Os relatos se agravam em efeitos colaterais – destaque para os hilários trechos em que a protagonista enrola a língua – e a narrativa busca respostas para dúvidas existenciais enquanto promove a desconstrução pública de uma artista em sua vida privada.”
O livro é repleto de referências literárias, de Shakespeare a Melville, mas, tal qual em sua música, como destacou o jornalista Leonardo Lichote em reportagem no jornal O Globo, “Calcanhotto cruza popular e erudito, poesia concreta e ‘hahaha’ de e-mail, Documenta de Kassel e Amy Winehouse (juntas na mesma frase). E, com alma de artista que toca em rádio, ela une esses universos num texto fácil de ler – o relato bruto, escrito no calor do surto, foi lapidado por Calcanhotto ‘até os 48 do segundo tempo’, ou seja, até as vésperas de o livro ir para a gráfica.”
Em entrevistas da época do lançamento, Adriana Calcanhotto contou que sempre escreveu, embora, ainda na adolescência, tenha deixado a ficção de lado para se dedicar à poesia, redescobrindo, durante o processo de elaboração de Saga lusa, seu amor pela prosa. Em trecho do livro, ela chega a brincar sobre suas aspirações literárias.
“Minhas ambições com esta obra são de vulto. Vulto não, que ultimamente me dá medo, minhas ambições são de porte. E, por falar em porte, vou começar hoje mesmo uma dieta. Pra caber em um fardão bordado a ouro, que pedirei à menina Gilda Midani pra me ajudar a incrementar, deixar mais largadão, confortável. Por isso essa obsessão agora com debrum. Tô achando mais parecido comigo mesma me candidatar à Academia Brasileira de Letras – e presidi-la – do que ficar na estrada, em turnê”, escreve no livro.
Sucesso de crítica e público, Saga lusa abriu caminho para que a Cobogó se tornasse a referência que é hoje no mercado editorial brasileiro. “O livro da Adriana foi ótimo para a gente entender como funcionava o mercado, principalmente a questão do lançamento, que envolve uma série de questões que a gente não tinha a menor familiaridade. Estávamos todos no escuro, tateando”, disse Isabel Diegues, diretora e fundadora da Cobogó, ao jornal Valor Econômico.
O livro está sendo adaptado pelo teatro pelo dramaturgo Gustavo Pinheiro em monólogo a ser estrelado pela atriz Fabiula Nascimento, ainda sem data de estreia prevista.