Parece que foi ontem, mas foi em 2019 a Primavera Literária, no meu estimado Catete, em que comprei o então recente Livro do Disco (“LDD” para os íntimos) Chico Science & Nação Zumbi: Da lama ao caos, de Lorena Calábria. Olhando capas expostas lado a lado, palpitei ao atendente do stand a falta de um dos Paralamas na coleção de então cinco anos. “Aliás, eu que poderia escrever!”, exclamei para o rapaz, naturalmente desconfiado do comprador voluntarista – é curioso que, quando lancei um livro sobre letras e falas de Cazuza e Renato Russo e seu valor documentário, três anos antes, vi algo irônico em ter intimidade ainda maior com o repertório paralâmico do que dos dois ícones de seu tempo.
De lá para cá, a ideia entrou no papel... Leram na Cobogó meu e-mail oferecendo-me para falar do Selvagem? “ou de qualquer um do Lenine”, outro com triunfos dos quais eu teria ideias boas a dizer (o “ou” veio da hipótese de alguém já estar escrevendo do LP de 1986 e eu entrar num plano B de luxo, tipo Na pressão ou Falange canibal). Uma vez aprovado o projeto no início de 2020, a pandemia era fato e a pesquisa e a escrita do livro fizeram imenso bem à minha saúde mental. Ainda mais que mantive férias já marcadas e o projeto foi meu escape de confinamento. Nunca esquecerei do quanto, meses depois, vibrei ao ter um sinal verde ao pedido de entrevistas com a banda que me cativa há mais de 30 anos (videochamada à disposição, vesti a camiseta da sorte com verso de Lennon para a primeira entrevista, com um Bi confinado numa área verde que, lembrando hoje, até teria algo a ver com a locação da foto de seu irmão na capa daquele disco).
Curto tanto a coleção que o leitor-de-LDD-em-mim saúda o novo autor-de-LDD-em-mim e eles se entreolham quase sem acreditar. Sinto-me escalado numa seleção de feras cujo legado de alto nível eu e futuros autores devemos honrar. Assim seja.
E permito-me gabar de, a depender do perfil do leitor, saber prescrever bem os LDD do B – meu repertório é sobretudo de brasileiros. Dentre os traduzidos da coleção anglófona 33 1/3, inspiração dos organizadores Frederico Coelho e Mauro Gaspar lá atrás, li só o admirável Stevie Wonder: Songs in the key of life. Ok, Dona Ivone Lara: Sorriso negro saiu antes em inglês, mas o livro de Mila Burns, jornalista e biógrafa da sambista, não nos é, a rigor, estrangeiro...
Aliás, no outono, vivi numa livraria carioca um exemplo do “dom” de prescrever LDD que relatei. Era o lançamento de um livro sobre a atuação política das editoras Brasiliense e Civilização Brasileira e fui apresentado ao historiador Romulo Mattos, coautor do livro de memórias de Dado Villa-Lobos. Ele segurava o LDD do álbum de estreia da Gang 90 & Absurdettes. Não tardei a comentar alguns dos títulos – e que eu lançaria o agora recém-saído da gráfica Selvagem?. Meu interlocutor logo viu que a biografia romanceada sobre a banda de Júlio Barroso não faria seu gênero e, após o papo, decidiu levar dois de meus LDD favoritos: Nara Leão: Nara – 1964, de Hugo Sukman, e o já citado Da lama ao caos.
Não faz mal se você ainda sabe pouco dos LDDs. Ao contrário de muitos best-seller, são livros atemporais, o que os tornam “fundo de catálogo”, jargão editorial para títulos com saída mesmo anos após lançados. A variedade de repertórios e de abordagens me faz crer que, se ainda não se iniciou nessa seleção, basta puxar um ou dois de artistas de seu gosto que vale a pena conferir. Sem me atrever a indicações que deixem de lado outros títulos legais, posso afirmar que nunca saí da leitura de um LDD ouvindo o disco retratado da mesma forma de antes. Recentemente, peguei emprestado o livreto Tom Zé: Estudando o samba e vi pistas da singularidade da usina de ideias que Tom é.
Poderia falar mais dos LDDs que li, mas uma metáfora de gosto duvidoso e um trocadilho idem podem até ressoar um lado brincante do músico, mas, a mim, sinalizam que talvez seja a hora de poupar leitores da Revista Cobogó de mais deslizes, de um tipo talvez pior. Para concluir, torno pública aqui minha gratidão infinda aos times da banda e da editora, em especial à editora Aïcha Barat, sem os quais Os Paralamas do Sucesso: Selvagem? não atingiria o resultado a ser julgado por quem adentrar, com ele, nesta coleção que é nossa.
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O livro, com meus direitos autorais revertidos em apoio ao pré-vestibular comunitário Curso InVest, será lançado em bate-papos em 23/8 (4ª) na Livraria da Travessa/Ipanema, com o paralama João Barone e a jornalista Helena Aragão, e em 30/8 (4ª) na Livraria da Travessa/Pinheiros com a comunicadora Roberta Martinelli e o jornalista e escritor Fred Di Giacomo.