O momento nos obrigava a achar recursos numa pausa desventurosa. Era hora de revirar gavetas inanimadas.
Uma carta sugestiva, passado, virada de milênio, relação, impasse. Gavetas são prósperas. Uma carta revelada, filha, mãe, amante, uma peça. Uma peça do grupo Galpão. Partido. A peça da carta que foi escrita por uma mulher que assistiu a uma peça. Partida**. É de fato infinito o poder do teatro, uma experiência coletiva de completa solidão. Duas peças, uma carta.
O cenário, uma plateia — o espelho do melhor personagem que o teatro nos escala. Quando me perguntam “como faço para ser atriz/ator?”, sempre respondo: comece sendo plateia, é um papel muito importante. Na montagem original desta adaptação do livro do Ítalo Calvino, em 1999, fui personagem-plateia. Agora, no palco-plateia, é nossa dupla, numa dança falada, que movimenta espectadores. O instante fastidioso e perfeito para celebrar o encontro de Inez e Denise e tudo que veio e ainda virá a partir dessa união, agora perpetuada nesta publicação da Editora Cobogó.
*Debora Lamm é atriz e diretora.
**Partida, dramaturgia de Inez Viana, investiga com humor e graça o poder da arte e do teatro na vida de cada um. Em cena, duas artistas conversam sobre a peça que pretendem criar. A inspiração é uma carta, encontrada depois de 30 anos, escrita pela mãe de uma das personagens, na qual ela termina um relacionamento após assistir, em 1999, ao espetáculo Partido, adaptação do livro O visconde partido ao meio, de Italo Calvino, pelo Grupo Galpão. O livro está disponível no site da Cobogó e nas principais livrarias do país.