Na história da arte, a representação da paisagem frequentemente foi o campo de batalha de importantes disputas históricas. A criação de um cenário natural, seguindo regras técnicas específicas e proporções precisas de terra, água e atmosfera, a partir de um ponto de vista escolhido, sempre foi permeada por significados culturais complexos. Mesmo quando se pretendia uma fuga idílica, a paisagem se manteve lastreada na história. Muitas vezes, recriar a vista de um lugar significava envolver-se em debates ambiciosos sobre a cultura nacional e até mesmo transformar o significado de um lugar ou de uma atividade.
No século XVI nos Países Baixos, por exemplo, a legitimidade da arte como um espaço de elaboração intelectual não era garantida. Portanto, pintores como Joachim Patinir e Pieter Bruegel afirmaram seu conhecimento ao criar vastos panoramas nos quais realidades geográficas distantes eram apresentadas com uma coesão descritiva raramente alcançada pelos cientistas da época. O valor da obra de arte era percebido na capacidade racional de articular narrativa e geografia. Nesse contexto, a pintura de paisagem era um esforço complexo de imaginação e representava uma tentativa de abordar uma espécie de história natural.
Nos séculos XVIII e XIX, em diferentes países germânicos, os pintores de paisagem desempenharam um papel fundamental na criação do mito de uma Germânia original, baseada em um passado compartilhado. Para isso, eles recriaram bosques mencionados, curiosamente, em textos da Antiguidade romana, que já não correspondiam à vegetação de sua Alemanha contemporânea. Os pintores se esforçavam para recriar um cenário sombreado por ancestrais carvalhos, contribuindo assim para a construção de uma determinada narrativa histórica e cultural. Nesse contexto, a pintura de paisagem desempenhava o papel de forjar uma origem e uma conexão cultural com as forças e ditames da natureza.
As paisagens de Luiz Zerbini sempre tiveram forte perspectiva histórica. Era comum em telas amplas, como Mamanguá Recife (2011), uma atividade econômica mais tradicional, como a pesca artesanal, ser associada a itens da indústria, como chinelos, caixas de som e lâmpadas; ou prédios envidraçados estarem combinados a rochedos cobertos de líquenes, todos como parte da mesma modernidade complexa, plana e difícil de se definir como atávica — vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda. Provavelmente a vista dessa tela tem tudo disso e não só isso.
As pequenas paisagens de Luiz Zerbini aqui apresentadas não têm esse tom ensaístico, de pintura histórica. Parecem ter outro tipo de relação com o seu tempo. São leves, multicoloridas e graciosas. Essa é uma de suas qualidades distintivas. Mesmo as pinturas feitas entre 2020 e 2021, período de turbulência, não adotam o tom apocalíptico nem a grandiosidade redentora de muitas obras que abordaram a pandemia e o período, com todas as suas catástrofes.
As pinturas encontram maneiras de pôr as coisas reunidas umas com as outras — abusar de seus contrastes e apostar no que resta. Têm algo de um desejo pacífico de convergência. Talvez tenham parentesco com o emaranhado de elementos que se enrola no tronco da notável pintura Presente do mar (2021) [ P. 81 ]. Elementos de diversas origens, cores, materiais, que convivem enroscados em um toco de madeira. O pedaço de árvore, como os liames que o envolvem, vieram, possivelmente, de cantos diferentes e se encontraram por acaso, em um cenário deslumbrante. A pintura celebra essa coincidência afortunada.
A paisagem é um gênero que se dedica a descrever a disposição das coisas em uma determinada vista. Nessa coleção de obras de pequeno formato, o que temos é o arranjo de pequenas pinceladas a associar certa mansidão da natureza com objetos caídos das árvores, largados pelos bichos ou pessoas a boiar pela água, ou serem espalhados como despojos na mata e no chão. Com sorte, como em Cocoa Pataxo (Alagoas) (2016) [ P. 181 ], aquelas coisas meio largadas se acomodam como em uma natureza-morta. Naquele momento, e talvez só naquele momento, tal combinação não poderia ser mais perfeita. As pinturas são esses pequenos achados e todas as suas sugestões e ambiguidades.
* Tiago Mesquita é crítico de arte, professor de história da arte e organizador do livro Luiz Zerbini: Sábados, domingos e feriados, que reúne pinturas realizadas pelo artista ao longo da última década em viagens e momentos de lazer.