"Fullgás – Marina Lima", livro que lanço pela Cobogó, é fruto de uma pesquisa iniciada em 2012, quando eu ainda era um estudante de Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo e me interessei pela obra musical tão única de Marina que mescla música, letra, performance, imagem e história de vida.
Naquele momento, comecei uma parceria pesquisador-objeto que foi se transmutando em uma amizade profícua de muita generosidade e reciprocidade. Nesse meio tempo nasceram uma dissertação de mestrado (pelo Instituto de Estudos Brasileiros da mesma instituição), alguns releases para discos de Marina (No osso e Novas famílias), projetos especiais (como o lançamento duplo do EP Motim e do songbook) e muitos outros frutos que ainda há de vir (como um livro que estamos escrevendo juntos!). O material que agora adentra a coleção do Livro do Disco é resultado de uma pesquisa que ainda continua, já que a obra de Marina não cessa de me provocar.
Lançar uma análise de Fullgás no momento atual do Brasil não é uma mera casualidade. Entre 1984, ano de seu lançamento, e os idos de 2022, há semelhanças. O trauma versus a esperança, o luto versus a luta, o retrocesso versus o desejo por progresso, todos esses pontos que marcaram a década das Diretas Já, do fim da ditadura militar e da promulgação da Constituição, de certa forma, vivenciamos novamente – certamente, cada época à sua maneira. Há no ar algo em ebulição movido pelo desejo, assim como está lá em Fullgás.
Por vezes interpretada como uma "década perdida", os anos 1980 foram importantes para a nossa história recente. É o período da invenção da nossa jovem democracia, de importantes mudanças comportamentais de gênero e sexualidade e do estabelecimento do imaginário globalizado. Como dar como perdido esse período histórico e varrê-lo para debaixo do tapete?
O disco de Marina, por um olhar extremamente autoral, é um espelho a refletir e a refratar, como um caleidoscópio, esses e outros tópicos de uma década fullgás: cheia de gás, abastecida pelo desejo. Que possamos escutar o passado com gana de um novo futuro.
*Renato Gonçalves é escritor e pesquisador. É autor do livro Marina Lima: Fullgás, da coleção O Livro do Disco da Cobogó. Saiba mais sobre o livro.